quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O prazer do fracasso


O título acima pode parecer um verdadeiro paradoxo. Não é.

Faz tempo que convivo com as dores próprias de quem procura superar seus limites e algo que me incomodava era: - quando eu não aguentar mais terei coragem de abandonar uma prova?

Agora vi que consegui. Agora vi que chutei o balde na hora certa.

Cada um de nós treina e gosta de um determinado esporte. Gosto de vencer longas distâncias, subidas e descidas, mas em terreno regular ou em praias.

Trilhas sempre me deixam assustado, pois enxergo mal e tenho medo de me machucar nos buracos e ficar sem treinar e competir por longo tempo. Já não sou criança e sei que minha recuperação será mais lenta e que voltarei antes da hora. Por isto procuro evitar contusões, embora as pequenas dores sejam inerentes ao esporte.


Fui fazer a prova Praias e Trilhas na bela Floripa. Todos me diziam das dificuldades do itinerário, mas eu sempre acabo verificando que a fera não é tão brava assim. Achei que exageravam, mas eu é quem subestimei as dificuldades que iria encontrar.

Lá trilhas são trilhas de pedras e tocos, limo e lama. Subidas bem fortes e descidas piores ainda, especialmente para quem já saiu com os joelhos 'meia boca'. Só fiz 21 km e tenho certeza de que era o recreio da prova, cujas dificuldades iriam se avolumar no segundo dia.

Com 16 km falei com meu filho Bruno que estava sentindo uma fisgada no adutor da perna direita, mas que achava que dava para terminar. Ainda lhe disse que havia decidido não fazer o percurso do dia seguinte, pois as trilhas não me davam nenhum prazer e todas as pedras nas descidas pareciam estar pontiagudas e apontando para o meio do meu rabo.

Eu subia com uma velocidade de 3,2 km e descia a menos de 2 km/h. Uma vergonha superada por qualquer 'véia prenhe'.

Depois de transpor uma pequena praia, havia novo trecho de trilha com 6 km entre subida e descida. Me preparei para o último sofrimento, já que pretendia recuperar o tempo nos 15 km de areia fofa do final.

Antes de iniciar a subida falei com os três integrantes da organização que me informaram que ali era o km 21 e que havia uma mina logo acima para beber água.

Subi não mais de 3 metros quando o adutor da outra perna saltou para fora. Ao tentar, instintivamente, me proteger da cãibra o adutor da direita também pulou do seu trilho natural. Era uma coisa bem feia de ver e muito pior de sentir.

Gritei para os meninos que me socorressem e ali mesmo decidi que estava fora. Minha travada foi em cima do riachinho da tal nascente e os socorristas tiveram que me deitar dentro da água. Nenhum deles sabia fazer as manobras para colocar os músculos no lugar e, enquanto tentava lhes explicar senti que os músculos do abdomem também queriam participar da festa.

Me joguei de corpo inteiro naquela água geladinha e esperei que as cãibras melhorassem por si só. Em pouco tempo já estava me recuperando e ainda fiquei olhando para o morro na minha frente, pensando se ia ou não.

Quando pude me levantar vi que tivera muita sorte de estar naquele ponto e com 3 ajudantes, pois qualquer movimento para arrastar as pernas já fazia as duas 'tirinhas de músculo' darem sinal de vida.

Os meninos chamaram um bombeiro que dava apoio no local e este providenciou o resgate. No início eu iria sair de balsa, mas depois ficamos conversando e eu, no meio do papo, disse que era Coronel do Exército. Não sei se isto modificou a decisão, mas em determinado momento o bombeiro foi para o alto do morro e voltou dizendo que o transporte mudara para helicóptero. Quando a equipe de socorro chegou eu já estava bem melhor. Me disseram que iriam me levar para o hospital da Base Aérea e eu lhes expliquei que estava inteiro, mas sem condições, apenas, de prosseguir na prova. Expliquei que minha equipe estava na praia seguinte e que podiam me deixar por lá. Assim foi feito e desci na praia a poucos metros do boteco onde meus familiares estavam.

Ao contar esta prosa para o resto dos atletas a gozação foi geral, pois todos queriam ser resgatados de helicóptero e para tal iriam dizer que eram amigos do Coronel.


Mas brincadeiras de lado ficam duas lições: a primeira é que os grupos musculares que me impulsionam na corrida não são os mesmos que me freiam nas pedras e segunda é que o medo causa mais cansaço que a intensidade da prova.


Eu posso dizer que corri com medo das pedras e totalmente travado, duro, sem prazer naquilo que fazia.


No dia seguinte acordei cedo e fui incentivar meus amigos. Durante parte da prova distribuí tudo o que havia previsto para ingerir naquela prova e, quando acabou fui atravessar o trecho mais longo de praia com uma corredora da Marinha que conhecera naquele momento. Corremos 15 km juntos e conversamos muito. Ela não caminhou um só instante e ultrapassou diversos atletas naquelas areias. Quando chegamos na próxima trilha nos despedimos e não guardei seu nome, mas sei que vamos nos encontrar nas 24 hs do Rio.


A prova é muito forte, impecavelmente organizada, e tem uma turma de atletas da melhor qualidade, onde o espírito esportivo se sobrepõe a todas as outras virtudes destes heróis.

Fiquei muito satisfeito por rever meus amigos da BR, especialmente o Allison. Fiz vários novos amigos, entre os quais Júlio Cordeiro (campeão e único representante do Norte-Nordeste), João Gabardo e sua esposa e meu futuro companheiro de BR Alberto Peixoto.


Por ter sido meu primeiro fracasso registro o meu prazer por ter abandonado esta prova na hora certa, pois não tenho nenhuma semelhança com cabrito, além de ter causado inveja nos amigos pelo turismo aéreo e também pelos momentos de ajuda aos que prosseguiam, sem contar com a descontração nas atividades extra-prova.


Nunca mais me aventuro em trilhas, mas recomendo a todos que possuem facilidades nas pedras, pois esta prova é uma das mais difíceis no Brasil e estão de parabéns seus organizadores e os bravos que chegaram ao fim da jornada.


Um ultrabraço e "Bora Corrê"

Seabra.
A imagem acima é uma homenagens aos meus colegas de turma de Cavalaria, que moram em Santa Maria e Bagé e foram me prestigiar quando corri as 24 horas de S. Maria. A eles meu muito obrigado pela força.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A maratona de Foz

O artigo seguinte é uma descrição da Maratona de Foz feita pelo nosso homem de marketing e ultramaratonista Raul Avelino. Como ele me deu um banho nesta prova vou lhe dar uma colher de chá, já que aqui, democraticamente, quem tem a chave do cofre sou só eu.....................

Sangue, suor e água, muita água!

Amigos leitores,

Sempre que alguém fica sabendo das minhas aventuras no mundo das maratonas e ultramaratonas eu ouço primeiro uma afirmação “você é louco.” E em seguida, quase que invariavelmente, uma pergunta “mas como é que é correr quarenta e dois quilômetros?”
Bom, como já desisti de tentar dissuadi-los da idéia de que sou louco, mesmo porque às vezes eu também me pego concordando com essa afirmação, passo ao pagamento da dívida, ou seja, resolvi contar como é correr os quarenta e dois quilômetros cento e noventa e cinco metros de uma maratona.
Não o faço por exibicionismo não, é que a experiência que vivi correndo no final de semana retrasado a maratona de Foz do Iguaçu foi diferente de todas as outras acredito eu, que muito mais pela beleza do lugar do que por qualquer outro motivo, e embora eu já conhecesse a cidade e suas atrações turísticas, só agora fiquei muito fã da cidade a ponto de fazer-lhe através desse relato uma grande propaganda. Visitem Foz do Iguaçu!
E olhem que a ida pra lá foi um verdadeiro programa de índio, com compromissos profissionais no sábado pela manhã, não pude seguir na sexta-feira com minha esposa, um casal de amigos e sua filha, conforme era o programado, assim pra fins de redução de custos decidi ir de ônibus já que era desnecessário irmos em dois carros e a passagem de avião pra lá estava na faixa dos duzentos e cinquenta paus mais taxa de embarque. Com a passagem de ônibus a cento e dois reais a diferença de preços me pareceu bastante sedutora.
Assim, fui à reunião de negócios no sábado de manhã e de lá rumei para rodoferroviária de Curitiba que cá pra nós já passou da hora de sofrer uma profunda reforma, deixei o carro no estacionamento e tomei o buzão da Catarinense rumo ao oeste do Paraná, poupar-lhes-ei o sofrimento da narrativa das quase doze hora a bordo do coletivo, apenas para que tenham uma idéia da situação, ao meu lado seguiu uma mocinha com uma criança de poucos meses de vida que não chorou um segundo sequer, como era meu temor inicial ao me deparar com o quadro, em compensação, cagou-se a viagem toda, ô criancinha danada de cagona! O azedume da atmosfera ainda me povoa os pensamentos, essa viagem fazia escala em Cascavel onde finalmente me despedi da jovem mãe e sua maquininha de fazer cocô. Seu lugar foi ocupado por outro jovem, um contrabandista de peças de celulares que me “divertiu” os cento e poucos quilômetros restantes com as histórias de suas aventuras carregando muamba no movimentadíssimo eixo Paraguai - São Paulo. E no dia seguinte eu ainda tinha que encarar os 42,195 km da maratona, nunca pensei que duzentos e cinquenta pilas por uma passagem aérea entre Curitiba e Foz me pareceriam uma pechincha, mas enfim, desembarcamos eu, o contrabandista e mais uma galera, na rodoviária da cidade, o único que não desembarcou do ônibus, e não deve tê-lo feito até hoje, foi o budum da criança cagada! Melhor, pelo menos não me seguiu, a não ser na memória.
Lá o meu amigo e companheiro de corridas o advogado e coronel de cavalaria do exército Dr. Seabra Santos, um dia ainda lhes descrevo essa figura hilária, me aguardava rumamos para o hotel onde no meu quarto me deparei com minha esposa completamente alucinada entre a montanha de quinquilharias que havia comprado no Paraguai, eu tinha avisado ao Seabra que esse negócio de duas mulheres e uma menina soltas no paraíso das compras não ia dar muito certo, bom, larguei ela lá maravilhada em meio a bolsas, relógios eletro-eletrônicos e afins e fui tratar de arranjar um restaurante próximo do hotel pra jantar, o Seabra também visivelmente puto com a sua também perdulária esposa resolveu me acompanhar, não me pareceu uma decisão muito inteligente, pois com o calor que faz naquele lugar uma companhia pro chopp não é algo muito sensato às vésperas de uma maratona, mas lá fomos nós, matamos um fetuccini à parisiense, carboidrato é sempre bom antes de provas como essas e uns bons litros de chopp.
Dado o calor da região a largada seria no domingo às sete da manhã do Lago de Itaipu, com isso a organização da prova disponibilizou ônibus que passariam nos hotéis recolhendo os atletas pra levar até o local da largada, no nosso caso o ônibus passaria às cinco da manhã, com isso fui dormir mais ou menos à uma da manhã e me levantei as quatro ainda de ressaca e com muito, muito sono, mas tudo bem vamos lá afinal não corro pra competir e sim pra me divertir, não sou maratonista e sim maraturista.
Desembarcamos no Parque Nacional do Lago de Itaipu, tinha sido uma semana bastante chuvosa e o volume de água que vertia daquelas comportas de tamanho descomunal era uma coisa simplesmente fantástica um espetáculo construído pelas mãos do homem que nos assombra quando paramos pra pensar do que somos capazes, realmente algo lindo de se ver.
A previsão era de chuva a partir das oito horas o que seria ótimo pra rebater o calor causticante que às seis e meia da manhã já se anunciava. Como ainda faltava pouco mais de meia hora para largada resolvi me deitar num cantinho de asfalto onde havia pouca circulação de gente e tirei um cochilo, enquanto o povo se aquecia, alongava, etc, eu achei melhor dormir, o que foi ótimo, acordei inteiro pra largada.
Contando com a previsão de chuva fiz um planejamento, bem otimista pra minha atual condição física, pra terminar a prova em cinco horas e meia, pra isso passaria no km 10 com uma hora e dez minutos de prova, no 20 com duas horas e meia e no 30 com três horas e cinquenta, pra então cumprir os 12,195 restantes em mais ou menos uma hora e quarenta minutos e concluir a prova com meia hora antes das seis horas que são o limite estipulado pela organização.
Largamos as sete em ponto e o sol já começava a dar sinais de que seria implacável, mas eu nem aí, to acreditando na chuva que segundo a previsão viria a partir da oito e vamos que vamos, o ritmo do Seabra é bem mais forte do que o meu, mas eu o sigo marcando a uns cinquenta, sessenta metros à minha frete até quase os cinco primeiros quilômetros, vou mantendo uma média de 10km/h numa batida confortável vou ultrapassando e sendo ultrapassado por vários amigos de corridas Brasil a fora a maioria ultramaratonistas também. To dentro da previsão e passo no km 10 com uma hora e oito minutos e nem sinal de chuva e o termômetro às oito da matina já marca 22 graus, to achando que o bicho vai pegar, no posto de hidratação aproveito pra ingerir gel de carboidrato e água, em provas longas assim é importante que você se mantenha sempre muito bem nutrido e hidratado, costumo levar comigo quatro saches de carbup em gel, sendo um pra cada dez km, no 10, no 20 e no 30 e um sobressalente para dar a alguém que no caminho esteja precisando, essa solidariedade não é exclusividade minha não, é comum entre nós corredores e esse é mais um dos motivos que me faz continuar cada vez mais apaixonado por esse esporte!
Passo pelo quilometro quinze e a essa altura já diminui o ritmo, o Seabra disparou na minha frente, pelos meus cálculos se ele continuar assim deve concluir a prova em cinco horas, mas eu preciso me manter fiel ao meu planejamento, o sucesso na conclusão de provas longas e com alto grau de dificuldade passa necessariamente por um bom preparo físico e um bom planejamento, mas principalmente por uma boa administração psicológica da prova, se a cabeça pifar você quebra e não há preparo físico ou planejamento que te façam terminar a prova.
No km 16 recebo o incentivo do pessoal da organização que nesse ponto está preparando a largada das provas da criançada, corridas de 2, 3, 4 km pra envolver toda a família uma iniciativa muito legal do SESC de Foz, depois desse ponto em pleno centro da cidade tem um descidão e entramos no km 17 que em contrapartida é um subidão que tem no final um vista sensacional, uma praça que traz bem no centro uma enorme e linda bandeira do Brasil, fixo o olhar no nosso “pendão da esperança” e faço a subida toda caminhando com passadas bem largas a mais ou menos 7km/h e enquanto subo vou cantarolando mentalmente o Hino da Bandeira, “salve lindo pendão da esperança, salve símbolo augusto da paz, sua nobre presença a lembrança, da grandeza da pátria nos traz...”, esses são truquezinhos que nos fazem esquecer o cansaço e seguir em frente, termino a subida ainda em ritmo de marcha forte, essa alternância entre caminhadas fortes e corrida pra quem não é tão bem preparado, como é o meu caso, é indispensável para recuperação do estado de equilíbrio entre respiração e passada e também para administrar o desgaste, assim eu utilizo esse recurso em subidas muito longas ou muito íngremes o que me ajuda a descansar enquanto venço a subida em vez de me desgastar mais ainda fazendo-a trotando por exemplo, como meu ritmo de caminhada é muito forte eu perco pouco tempo e consigo uma considerável recuperação física que me garante gás no final.
Volto a correr e logo passo pelo km 20 com duas horas e vinte e sete minutos de prova, perfeitamente dentro do planejado, mas daqui pra frente o bicho pega, a previsão do tempo estava redondamente enganada e agora temos certeza de que a chuva não virá mesmo, os termômetros já marcam 29 graus e tem um sol pra cada um, decido reduzir um pouco mais o ritmo o que psicologicamente é muito difícil de administrar porque essa decisão me joga pras últimas posições, não que eu me preocupe muito com isso mas, é muito difícil correr no último pelotão com a ambulância de resgate a poucos metros da sua bunda! Mas, com um calor desses é necessário pra que eu consiga me manter em pé até o final.
A essa altura o desafio é chegar ao km 30 bem porque daí pra frente é só terminar, do contrário se chegar aos 30 morto, você não passa do km 33 e aí a prova foi pro espaço. Como eu e o Seabra nos impusemos um desafio que é eu de fazer 500km em provas oficiais em 2009 e ele 1000km, nós não podemos deixar de concluir nenhuma prova longa no ano senão não cumprimos nosso objetivo, por isso planejarmos todas as provas pra um tempo bem próximo do limite máximo, assim evitamos desgastes excessivos e terminamos prontos pra próxima, afinal 500km dividido por 12 meses é o equivalente a uma maratona por mês e como eu comecei a minha contagem de quilômetros só em março, preciso participar e concluir todas e cada uma delas.
No quilometro 28 uma vista que mais parece miragem, quando não temos quase mais nada pra queimar e a água e o isotônico que os postos de hidratação distribuem parecem não fazer mais efeito, a organização preparou um mesão de madeira com montanhas de gelo e nelas incrustadas latas de coca-cola, o calor agora já chega aos 32 graus e o sol está a pino e encharcado de suor de cima a baixo eu desço uma latinha de coca num só gole e o ânimo que isso dá me leva bem mais rápido ao km 30 com a ajuda dos nada educados, porém providencias arrotos que só a boa e velha coca-cola sabe providenciar.
É no km 28 que encontro dois atletas desconhecidos o João, um cabo da PM de Foz que tenta sua primeira maratona e um outro senhor que não se apresentou mas que já é bem mais experiente em provas desse tipo, eles estão a ponto desistir achando que não terminam no tempo limite de seis horas, eu os encorajo e digo que meu planejamento está perfeito precisamos apenas passar no quilometro 30 com 4 horas de prova, a essa altura sem a chuva tão esperada e o calor inesperado eu já havia readequado o meu planejamento inicial pra conseguir terminar a prova dentro das seis horas e não mais dentro das 5:30 iniciais, seguimos a um ritmo que consome mais ou menos 8 minutos/km, vai dar, eles acreditam e me seguem, vamos conversando e vencendo cada etapa, caminhando nas subidas, que são muitas, é a maioria do percurso, e trotando nas retas e descidas, coloco pra eles como meta, alcançarmos sempre o próximo posto de hidratação que distam uns 3km um do outro então de água em água conseguimos terminar, mas, meus incentivos parecem surtir cada vez menos efeito e a nossa primeira baixa se dá com o senhor que não havia se apresentado, ele não mais consegue nos acompanhar, vai ficando pra trás e para, seguimos eu e o cabo João, passamos pelo km 30 com 3 horas e 58 minutos de prova, tento animá-lo dizendo que temos ainda duas horas e dois minutos de prova pra percorrermos apenas 12km, embora sejam estes os mais difíceis, pois já dentro do parque das cataratas são quase todos em subida, algumas realmente bem difíceis. Parece que ele também não se comove com os meus incentivos e no km 32 perco mais um parceiro de corrida que a exemplo do anterior não consegue mais me acompanhar nos trotes e sua caminhada vai ficando cada vez mais lenta e ele também para, é triste mas cada um sabe onde o calo aperta e é preciso saber respeitar os limites de cada um, sigo sozinho e agora a um ritmo bem melhor, vou ultrapassando vários competidores, me junto a um trio de atletas da marinha e sigo quase um quilometro com eles.
A todo tempo as ambulâncias passam por nós levando os desistentes para o posto de atendimento na chegada, o calor e as subidas da maratona mais difícil do país vão fazendo muitas vítimas, felizmente nenhum caso grave, só cansaço e desidratação mesmo.
Os marinheiros ficam pra trás e eu sigo a passos largos pro próximo posto de hidratação no km 36, nesse trecho em que as subidas castigam demais os atletas a organização, que, diga-se de passagem foi impecável, de longe a melhor de todas as provas de que já participei, tem uma idéia genial e coloca um pessoal que eu batizei de anjos da guarda, com motocicletas percorrendo o trecho e distribuindo água gelada abundante e a quem quiser entre os postos de hidratação, a medida é excelente, pois não ficamos a partir daí nenhum momento sem água, que usamos somente pra molhar a boca e jogar na cabeça, nuca e pulsos mantendo a temperatura do corpo tolerável até o final da prova.
Começo mais uma subida e lá no topo avisto alguém que me lembra o Seabra, mas não pode ser ele estava muito à minha frente, nesse ponto vou seguindo com a nossa amiga ultramaratonista Elisete, seu marido Antonio que não faz ultramaratonas já deve estar em vias de concluir a prova, vamos papeando e a prosa ajuda a disfarçar o cansaço, sigo bem e no posto de hidratação do km 36 alcanço a figura que eu assomara no topo da subida e não há de ver que é mesmo o Seabra, ele reduziu bem o ritmo e não se sente bem por isso precisa administrar a prova pra conseguir terminar dentro das seis horas, vai conseguir agora faltam apenas seis quilômetros, me ofereço pra seguir com ele, mas um atleta veterano como ele não se permitiria atrapalhar a minha prova e me toca pra que eu siga em frente já que estou bem mais inteiro nesse momento, eu bem que avisei a ele que 15 chopp era demais, eu só tomei 14, bem, sigo em frente e a Elisete que também vem num ritmo mais lento fica e lhe vem fazendo companhia.
A idéia do fim da prova me anima e aperto o passo, já é possível ouvir o estrondo que vem das cataratas do Iguaçu, pego um longo trecho sob a sombra das árvores que ladeiam a estrada do parque, o primeiro trecho de sombra em quilômetros e a proximidade com a queda d’água parece dar um alívio no calor essa combinação de fatores me faz lançar mão do gás final que economizei durante toda a prova e os quatro últimos quilômetros faço correndo, inclusive as subidas, num ritmo muito bom, as pessoas em volta aplaudem e dão força, agora venço a última subida no quilometro final a vista das cataratas é uma coisa incrível se eu fosse mais bunda mole eu chorava a emoção é enorme, sinto-me um gigante por conseguir terminar bem uma prova tão difícil e ao mesmo tempo sinto-me insignificante diante da enormidade dessa maravilha da natureza que são as cataratas do Iguaçu, largamos a 41km e pouco mais de 5 horas atrás vendo o show das águas que a mão do homem produz no lago de Itaipu e chegamos agora diante do espetáculo que é obra da natureza, muito sangue verteu das bolhas que formaram nos pés da maioria dos atletas, nos meus pés, dessa vez, felizmente não, muito suor verteu de todos os atletas e vemos muita, muita água que coincidentemente foi o principal combustível que nos fez vencer mais esse desafio.
A inspiração de Wanderlei Cordeiro de Lima que apadrinhou essa prova me faz cruzar a reta final fazendo o aviãozinho, uma humilde homenagem a esse atleta fantástico.
Termino a prova fisicamente muito bem em 5 horas e quarenta e seis minutos, mas a missão ainda não está cumprida, zero o cronometro e volto correndo pra encontrar os companheiros que vêm mais atrás e qual não é a minha surpresa, o primeiro que cruzo enquanto faço o caminho contrário é o senhor que não havia se apresentado e que me acompanhou lá nos idos do quilometro 28 e que aparentemente havia desistido, no final ele me contou que parou num carrinho tomou uma água de côco, descansou uns minutinhos e voltou à prova, segundo ele quando a água de côco fez efeito ele voltou a correr muito bem e conseguiu terminar a prova, que grata surpresa. Mais a frente a Elisete passa por mim e um pouco mais encontro o Seabra e volto com ele, nos aprumamos pra sair bem na foto e cruzamos correndo a reta final, nossas esposas lá com as máquinas a postos, mais um click e mais quarenta e dois quilômetros no cofrinho, to chegando nos 500 e o Seabra ta chegando nos 1000, vamos vencer essa meta na ultramaratona dos fuzileiros navais no Rio em novembro. A caminho da chegada passamos por uma senhora de uns sessenta anos mais ou menos que com cãibras fortíssimas vem se arrastando e termina a prova além das seis horas limite, mas termina, exemplo de raça e superação, mais um dentre tantos que presenciamos em cada prova.
Quanto a voltar pra encontrar o Seabra? Ah, nada mais fiz a não ser retribuir a solidariedade de um amigo que sempre termina na minha frente e sempre volta pra me dar força no final.
Desculpem pela extensão do texto, mas um relato de 42 km não tem mesmo com ser curto.
Sangue, suor e água, muita água, isso foi o que marcou a maratona das cataratas e me rendi a fazer-lhes esse relato, pois ontem assisti a reportagem da história de um tal de Manuel Uribe, um mexicano que chegou a pesar 560kg e um belo dia resolveu mudar a sua vida, procurem pela história dele na internet. Hoje ele mantem a fundação Manuel Uribe que se dedica a esclarecer as pessoas sobre o mal da obesidade, o slogan da sua fundação é “Se eu posso, você pode!”
Portanto amigos leitores, todos nós podemos levar uma vida mais saudável e feliz.

Um grande abraço a todos.

Raul Avelino.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Voltei, mas já me vou.

Olá milhares de amigos que nos acompanham neste Blog.

Estou de volta para dizer que estou me preparando para uma prova que acredito ser bem complicada nas praias de Floripa.
É a Praias e Trilhas: 2 maratonas. Uma sábado e outra no domingo. Até aí tudo bem.
Ocorre que ela é toda em areia fofa ou nas trilhas das montanhas que dividem estas pequenas praias. Ainda para facilitar a minha vida dunas no início do segundo dia e um trecho no tal de Costão do Santinho com travessia pelas pedras da encosta quando faltam apenas 9 km.
Acho que não vou gostar desta prova, mas tenho a certeza de que, ao fim, já começarei a planejar a do ano seguinte, pois é disto que nós gostamos.
Tomara que não esteja muito quente, pois eu sofro com calor.
Mas eu dizia que estava me preparando para esta prova, mas só descançando que é o tipo de preparação que meu a migo Raul segue a risca.
Estou com tantas dores na perna esquerda que resolvi hibernar até o dia e seja o que Deus quiser. Tenho dor na sola do pé, que vai sofrer barbaridade naquelas trilhas, dor na junta do calcâneo, dor no joelho, aliás, no joelho não é privilégio do esquerdo, o direito também dói.

O que me conforta é que, no fim do primeiro dia todos os atletas estarão com tantas dores como eu. Aí, quem sabe, eu que já estou acostumado, passo todo mundo e ganho a prova!!!!!!
Estou planejando fazer para 8hs e 10' o primeiro percurso e 9hs e 30' o segundo.

Fica a meta. Agora vamos ver se consigo.

Até a volta, se sobreviver a mais esta.
Um ultrabraço e "Bora Corrê"
Seabra.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Mais uma experiência


Acabo de concluir a Maratona de Foz e a Subida da Graciosa. Estou com 750 Km e ainda falta 1/4 do desafio.


Recebi uma correspondência de um amigo maratonista, que se chama Miguel Delgado. Em várias provas temos chegado juntos, mas nunca havíamos conversado.

Ele soube do meu desafio de 1.000 Km e me pediu para ir relatando cada prova, o que achei uma boa idéia e o farei.

Acho boa idéia principalmente para externar que temos mais fracassos que vitórias, mesmo que ainda não tenha sentido o gosto amargo de nenhuma desistência, porém meus tempos estão piorando a ponto de estarem próximos do ridículo, para o que fazia antes desta pauleira. Temo que estou perto de perder minha virgindade em termos de desistência, mas vamos ver até onde aguento.


Antes de iniciar a descrição dos 1.000 Km vou postar algo que escrevi sobre a BR a pedido dos amigos militares da minha turma.




Meu amigo, muito obrigado por suas palavras bondosas, mas acho que toda esta conquista se deve muito mais à minha equipe do que a mim mesmo.
Tenho dito que não existem homens de aço, mas apenas cadetes, oficiais e velhos reservistas que tiveram a chance de se manterem em forma durante a vida militar.
Assim que fui para a reserva passei a advogar e perder a oportunidade de treinar.
Depois de algum tempo vi que justiça em nosso País é mole, ineficiente e corrupta e não podia mais contratar para defender alguém cuja causa era certa, mas que não se inseria nas falcatruas de mais esta instituição corrompida pelo vício republicano.
Deste momento em diante uni a base sólida que tivemos nos anos de caserna e todo o tempo do mundo para me dedicar àquilo que passou a me dar prazer.
Portanto o sucesso se deve à base, ao tempo e um pouquinho de vontade.

Vamos esclarecer os pontos que você questionou.

Esta prova foi de 217 Km e a realizei em 56hs e 50". Você pode fazer de tudo, desde que chegue ao final com suas próprias pernas em menos de 60hs.

No meu caso, como militar, saí de Curitiba e fiquei três dias reconhecendo o trajeto no inverno (as condições se alteram drasticamente no mês de janeiro), fiz toda uma planilha e montei uma equipe familiar de amadores que foram incansáveis porque me amam.
Durante o percurso estavam previstas duas paradas de 2 horas, mas eu abortei as duas. A primeira após 15 horas de prova, pois estava inteiro demais para descansar. Já a segunda, apesar da exigência da equipe, tive que diminuir, pois, já com 40 horas eu havia entortado todo o corpo para o lado esquerdo e os músculos das costas e do pescoço torravam de dor. sabia que teria que me arrastar até o final e não podia perder tempo. Some-se a isto a noite anterior à largada, quando também não dormi devido à adrenalina produzida pela emoção de participar de um evento internacional de tal envergadura.

Paradas eu fazia para tomar café, almoçar, jantar e cear, mas nenhuma maior que 40 minutos. Neste tempo tomava banho, recebia massagem de gelo e passava pomadas contra a dor e vaselina por todo lado. Trocava meias e tênis e levava um ponta-pé na bunda quando o tempo de parada se esgotava. No último dia (16 horas finais) não mais parei, pois me deslocava por cerca de 2 Km e tinha que receber massagem direto nas costas.

Na saída o nervosismo é aquele esperado para um evento em que muitos (a maioria) ficam pelo caminho, alguns vão para hospitais (um inglês só foi liberado 2 semanas depois e correu risco fatal e teve seu rim comprometido) e todos, rigorosamente todos, enfrentam dores e privações incríveis. Antes da largada um atleta é convidado a cantar o nosso Hino, acompanhado pelo violão de outro competidor. Me lembrei de onde vim e de como chegara até ali com apenas a minha família me apoiando e chorei tanto que pensei que iria desmaiar sem dar sequer a largada.

Mas largamos e formamos um grupo com alguns atletas conhecidos de outras provas (normalmente corremos 24 horas) até que tive que parar para tirar uma calça de abrigo que usava apenas nos primeiro Km que se desenvolviam em mata e havia o perigo de cair e torcer algo (e fim de sonho). Neste momento meus amigos se foram e eu me distraí e errei o percurso, correndo perdido por cerca de 2 Km.

Quando voltei ao trajeto correto estava desesperado para recuperar o tempo gasto e os amigos, mas a distância era enorme. Cheguei ao meu primeiro acampamento (cada um desloca o seu) com apenas 3 minutos de atraso e apenas com uma perna doendo. Passei um gel milagroso chamado Biofreeze e quando larguei estava inteiro.

45 Km da largada vem o primeiro terror da prova. Subida do Pico do Gavião. Você sai de 860 m e sobe para 1690m em apenas 2,5 Km. Ali ocorreu (eu já tinha passado) uma cena comovente. Um atleta de Brasília ao chegar no topo se colocou em posição de Buda e meditou por algum tempo. Pouco depois sua mãe (que o esperava) se juntou a ele e começaram a chorar em silêncio. A explicação veio depois: o pai deste jovem fora um dos que criara no alto do Pico uma rampa de asa delta e, em um de seus saltos, veio a falecer bem ali.

A parada para janta foi em Andradas e já havia avistado uma atleta da minha velocidade, o que me fez desistir de parte do descanso para tentar alcançá-la. A primeira noite teve um grande trecho em que a via estava sendo cortada para a passagem de vários dutos de gás. Mesmo com a lanterna de cabeça, mais escorregava e me esborrachava na terra molhada e com enormes sulcos de lama do que progredia. Noite de lua nova, mas o tempo passava mais rápido do que os quilômetros.

Com 84 Km de prova cheguei ao PC de Serra dos Lima e vi uma das parceiras de velocidade. Ela abortara a parada e eu resolvera ficar, pois minha equipe de amadores estava morta. Pouco depois vi que não iria conseguir dormir mesmo e acordei minha tropa e lhes disse: -Vamos que eu estou inteiro, se alguém quiser ficar amanhã o carro volta para pegar. Ninguém quis ficar. Neste momento os carros de apoio, mesmo andando por vias alternativas, ficavam atolados às dúzias (vários 4x4). Nós tínhamos alugado um Fox Cross e não tínhamos pilotos, mas nunca chegamos a atolar.

Durante aquela noite a descida era terrível. Pedras rolando o tempo todo, córregos para transpor e breu, muito breu.

Como eu estava inteiro, fui passando um por um dos meus companheiros. Amanheceu quando estávamos com cerca de 100Km. Parei no acampamento para o café e soube que o ponteiro da minha turma acabara de passar. Como sempre, abri mão do descanso e parti em busca do amigo.
Com mais 6 Km eu o passei e fiquei a poucos quilômetros de uma das feras da prova, o Iroman filipino Mr. Lee.

Nesta manhã passamos pela única parte da prova em terreno plano. São 20 Km de refresco entre Crisólia e um pouco depois de Inconfidentes. Neste trecho fiz de tudo para aumentar a velocidade e me distanciar dos amigos.

Paramos para o almoço e as mulheres acharam por bem comprar a comida em um restaurante local. Banho, troca de roupa, meias e tênis, massagens e pé na bunda. Neste momento já tínhamos contabilizado mais da metade de desistências e ainda estávamos justamente no meio da prova e com as piores montanhas por vir. Nesta tarde quem me deu apoio foi minha mulher e acho que comecei a ficar muito ansioso, pois eu a mandava para frente e para traz em busca dos atletas mais próximos. Na frente sempre Mr. Lee, mas na retaguarda ninguém, pois, mesmo ficando em cima dos morros distante de mim por 4 Km, ela voltava dizendo que ninguém era avistado.

Esta situação, confortável para qualquer atleta, é motivo de perda de foco para mim. Comecei a acelerar mais ainda para alcançar o monstro Lee (1,78 m e 68 Kg contra meus 1,82 e mais de 86Kg). Aqui me desgastei muito e não conseguia diminuir a distância.

Ao anoitecer mandei mudar o acampamento da janta de Estiva para Tocos de Mogi que ficava uns 20 Km antes. Notei que estava começando a vergar para a esquerda, mas não tinha uma bolha ou qualquer dor muscular. Estava começando a cansar com apenas 158 Km. Banho, gelo e massagens, uma macarronada especial, sem pé na bunda. Acho que deveria ter seguido, mas a equipe me obrigou a deitar. Quando consegui convencê-los a me deixar seguir, não descansara nada, estava muito nervoso e levantei totalmente torto.
De Tocos a Estiva é que a prova começa. Pirambeiras incríveis, mais de uma hora de subidas ininterruptas. Nas descidas eu tinha que andar de lado, com a perna direita na frente e a esquerda de arrasto. Aqui eu temi não terminar a prova. Ocorre que a coluna estava tão vergada que comecei a achar que, em algum momento, um disco iria sair do lugar e eu poderia ficar paralítico. No meio daquele breu eu chorei algumas vezes. As dores na lateral direita das costas e do pescoço eram insuportáveis, mas eu não reclamava disto. Apenas me lamentava com meu filho de que estava inteiro e como esta vergada poderia me prejudicar. Meu filho foi sábio no meio daquele breu: -Pai, assim como você está com as costas em pandarecos, os outro estão com bolhas incríveis, pés sangrando, dores musculares nas pernas, joelhos torcidos, diarréia, vômitos, sono, fadiga extrema. Pense assim. Você só tem esta coluna torta, está muitas horas na frente da sua meta e vai chegar no tempo, nem que seja de joelhos.

Dito isto, seguimos para Estiva, onde mandei o carro na frente para pedir médico e massagista para me avaliarem, pois temia por minha coluna. Para não ser desclassificado de cara, consegui correr assim que entramos na cidade. Fiquei sendo massageado por quase meia hora, mas o que eu queria mesmo era saber da coluna.

Veredicto médico:-Seus músculos laterais das costas, no lado direito, se esfacelaram e não possuem mais sustentação. Os do lado esquerdo continuam tracionando. Por este motivo você irá vergando cada vez mais, mas sua coluna está intacta e protegida pelos músculos próximos a mesma.

Mais um alento. Como um Purê de batatas, recuso o banho, pois as costas estavam quentes das massagens e vamos seguir. Só faltam 41 Km (uma maratona).

Resolvemos que chegaríamos dentro do tempo, mas, para tal, faríamos lances de 2 Km e descansaríamos (literalmente, pois minha equipe também estava sofrendo com o cansaço). Nisto me passa o primeiro atleta que eu deixara bem para traz no dia anterior. Eu sequer esbocei uma reação. Estava desprovido de tudo, até de brios. Sua equipe era de profissionais e sua fisioterapeuta era viúva de um militar. Ela fez questão de fazer e ensinar uma massagem que me deixava ereto por alguns minutos. Passamos a fazer as paradas com essa massagem.

Os quilômetros não passavam, a cidade nunca chegava. As pirambeiras pareciam se multiplicarem. Não sou religioso, mas eu pensava que Deus não poderia ter criado algo tão lindo e tão doloroso ao mesmo tempo.

Já estávamos chegando próximo de 16 hs. Quando avistamos Paraisópolis pela primeira vez. Já havíamos sido passados por 9 atletas naquele dia. Mesmo tendo visto a cidade ainda andamos muito. A estrada dava voltas para enfrentar as montanhas e uma hora parecíamos perto e logo a seguir longe.

De repente um membro da minha equipe foi à cidade e voltou dizendo que ainda haviam duas pirambeiras pela frente. Enfrentei a primeira com alguma força, mas me joguei no chão quando vi a segunda. Não era possível que aquilo existisse e naquele lugar. Neste pedaço da prova os apoios de outro militar do Exército já estava comigo, pois torciam pelo velho Coronel. Ao me ver estatelado saíram para buscar a fisioterapeuta que já me socorrera antes.

Ela chegou, fez massagens e me exigia que eu respirasse apoiado em um bambu usado pelos peregrinos do Caminho da Fé. Pouco depois começamos a última subida. Finda esta entramos no paralelepípedo da cidade e já avistávamos a ponta da torre da Catedral, onde estava a chegada.

Juntamos a equipe, minhas filhas, meu neto, os militares, a fisioterapeuta e eu agradeci a todos apenas com um olhar para cada um, pois pensava que não tinha forças para mais nada.

Nisto a Sílvia, linda índia viúva do militar da Marinha e fisioterapeuta, toma apalavra e diz: -Gente, no alto da montanha está vindo um atleta. Vejam (eu não consegui me virar)! Ele não vai nos passar. Coronel, vamos lembrar os tempos do quartel. No hop, uma perna de cada vez. Assim iniciamos uma corrida tranqüila. Meu neto vendo aquele hop, corre para a mãe e diz. –Para o meu vô é chop!!!! E todos passaram a gritar, chop, chop, chop. O cortejo tinham carros meus e do Exército com som e buzinas e sirenes. O povo saía na rua, os repórteres filmavam e choravam ao mesmo tempo e eu fui me afastando da massa que tentava me acompanhar, correndo totalmente pendido para o lado esquerdo, mas com uma velocidade como se estivesse começando a prova naquele momento.

Foi emocionante para mim, minha família, amigos,outros competidores que não podiam acreditar que alguém chegasse naquele estado e para o público em geral.

Ah! O outro atleta que chegou exatos um minuto depois de mim é um monstro americano que tentou ser o primeiro homem a concluir as 3 BADs.
Só que quem conseguiu, poucas semanas depois, foi um brasileiro (Márcio Vilar) que estará correndo em Santa Maria nas 24 horas, junto comigo. Único do mundo!!!!!! Brasileiro.

Para mim, acredito que devo tudo o Exército, pelo físico, pela organização de toda a jornada, pelo comando e pela capacidade de resistir quando qualquer um teria milhões de razões para desistir com honra.
A festa depois foi demais. Faltou cerveja na cidade.

Por hoje é só.
Um ultrabraço para os amigos.
SEABRA.




quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Maratona de Foz

Cumprindo mais uma etapa estamos nos preparando para enfrentar a Maratona de Foz do Iguaçu. É uma prova bem difícil, com uma altimetria bem variada e que termina com quase 21 Km de subida.
Nesta semana fiz uma prova de 10 Km e na segunda fui homenagiar meu amigo ultra "Luis Maratonista" que completava 500 provas oficiais.
A prova foi no Parque Barigui, na distância de apenas 6.600 m. Mal iniciei e senti um estiramento na perna direita e achei melhor caminhar até o fim. Como consequência estou sem treinar desde 2ª e a perna ainda doi.
Vamos ter que sair bem manso para tentar fazer a prova sem muita dor no início.
Na volta digo se consegui.
Agora vou mudar a foto do Blog para ver se consigo variar.
Um ultrabraço.
Seabra.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Fase de testes


Ainda em fase de testes, nosso Blog já está bombando.

Já temos uma seguidora, minha filha, que emitiu comentário favorável ao Blog. É um assombro como estamos adquirindo esta enorme penetração em tão pouco tempo.

Mas, deixando a galhofa de lado, só havia avisado para ela, mas era para manter sigilo.....

Ontem consegui, pelas mãos da Bárbara, fazer diversas modificações e hoje consegui mudar a cor do título.

Experiência é para isto mesmo.

Já sei que posso ir alterando a foto do cabeçalho, o que torna o Blog mais interessante.

Nesta primeira é uma homenagem ao meu filho Bruno, que foi fundamental na conquista que descrevi ontem.


Hoje vou contar o que é o nosso desafio dos 1.000 e dos 500 Km em provas oficiais.

No ano passado, um amigão ultramaratonista ao me encontrar na Maratona de Curitiba me disse que estava completando 1.000 Km no meio daquela prova naquele ano.

Fiquei impressionado. Pouco depois soube que a marca contabilizava uma peregrinação de mais de 400 Km. De qualquer forma um feito notável, mas eu queria fazer tudo em corridas.

O primeiro passo teria que ser completar os 217 Km da BR 135.

Com esta quilometragem no cofrinho parti para a realização de todas as maratonas e ultras de 24 horas, mais algumas meia maratonas e provas menores.

Gente, 1.000 Km é o equivalente a fazer 24 maratonas em um ano, ou seja, uma a cada 15 dias.

Ainda no embalo da BR saí correndo de tudo, mas o corpo começou a sentir demais. Dores por todo lado, mas que eram superadas com algum esforço, mas superadas.

O primeiro sinal de estafa surgiu já na Maratona de Porto Alegre, onde tive que caminhar na parte final, apesar do percurso ser excelente.

Dali vieram os dois avisos.

Maratona de São Paulo com vômitos e caimbras como nunca havia sentido. Achei que teria que ir para um hospital. Só melhorei lá pela 21 hs, quando voltei a rir das palhaçadas do meu amigo e parceiro de corridas Raul.

Ocorre que, no fim de semana seguinte tive que correr a Maratona do Rio. Não treinei mais e fiz a prova só na cabeça. Cheguei relativamente bem, mas, após cruzar a chegada, não conseguia ficar de pé sem tonturas. Depois de algumas tentativas tive que ser levado ao pronto-socoro da prova e ficar em observação.

Após estes avisos do corpo, resolvi apenas correr as provas em que já estava inscrito, sem treinar. Para quem entende desta coisa, sabe que treinar é que é o barato e as provas são encontros com amigos e avaliação pessoal do seu treino.

Vencidas as provas em que já me inscrevera dei um tempo total. Nem treino, nem musculação, nadinha.

Foi um período horrível, mas hoje sei que necessário.

Tomei muito Voltaren 75 e, quando muito, fazia tudo o que precisava sem carro, caminhando.

As dores sumiram e voltei a treinar com calma e sem preocupação com tempo.

Minha meta eram os 1.000 Km, dentro do tempo de cada prova, o que cumpro com facilidade.

A minha melhora foi tão grande que, neste fim de semana, fiz uma maratona toda nas areias de Bertioga, voltei revesando com o Raul na direção e, no dia seguinte, caminhava como se nada tivesse corrido.

Agora voltei a treinar como antes, mas consciente de que, como todos, tenho limites que independem de garra, vontade ou superação. O corpo se protege impedindo que o atleta continue.

Para cumprir minha meta estou com todos os fins de semana com provas até o fim de novembro, quando pretendo fechar os 1.000 Km nos 63 Km de lá.

Neste meio ainda temos duas maratonas de Foz e Curitiba e uma tal de Praias e Trilhas, que está me deixando sem dormir quase como a BR.

Trata-se de uma prova em que corremos duas maratonas em dias seguidos, na areia fofa e nas trilhas e costões das montanhas. Nesta prova quem faz uma maratona em 3 horas completa a primeira em quase 5 e a segunda em cerca de seis. O tempo máximo para cada uma é de 10hs e 30'. Acho que consigo, mas não posso me machucar, pois aí estraga tudo o que ainda tenho pela frente. Já estou com 678 Km e ainda falta muito chão...

O Raul, mais maluco que eu, resolveu encarar 500 Km sem ter feito (oficialmente, já que foi meu pacer) a BR. Digo que seu esforço é maior, pois não tem o tempo que eu tenho para treinar. E é um pouquinho preguiçoso, mas promete que para a BR vai se dedicar de corpo e alma. Corpo tem bastante, mas a alma é bem pequenina.....

Por hoje é só.

O teste do Blog continua, agradecendo as inúmeras participações da minha filha, o que prova que este bagulho é o mais lido dos últimos séculos.

Um ultrabraço para os Manés e um ultrabeijo para minhas princesas.

Seabra.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Estamos nesta página.

A equipe "Bora Corrê" estreia hoje seu Blog. Obrigado por sua visita
Nosso objetivo é reunir pessoas que tenham sentido a necessidade do exercício e do esporte como algo indispensável a uma vida saudável e feliz.
Para o início do ano de 2010 pretendemos emprestar nossa vivência em corridas de longa distância para nossos amigos caminhantes, iniciantes e fundistas.
Neste ano vamos continuar nossa luta para concluirmos nossas metas: Seabra 1.000 Km e Raul 500 Km em provas oficiais.
Como tudo começou com nossa participação na Ultramaratona Extrema BR 135, vamos voltar no tempo e recordar o que escrevi inicialmente sobre aquela conquista.
Um ultrabraço.
Seabra.





Prezados amigos.
Só hoje (5 dias após) tenho condições emocionais para relatar sumariamente a conquista da minha equipe na BR 135.
Terminamos a prova dentro do tempo (60 h) em 56 horas e 50 minutos, sendo o número 34 na linha de chegada.
A corrida começou há cerca de dois anos, quando resolvi participar das primeiras ultramaratonas de 24 horas. Foram treinos constantes e bastantes intensos, culminando com uma média de 200 km por semana.
Além disto fizemos um reconhecimento no local de grande valia, onde pude contar com o apoio de meu filho Bruno.
Posteriormente, partimos para o planejamento da prova e sua logística.
A Rosi, minha mulher (sem sorte), se incorporou ao projeto e tivemos a felicidade de contar com a concordância dos amigos Patrícia e Raul para se fazerem presentes como “pacers” nesta jornada vitoriosa. Este casal é da minha família, apesar de não estarem no rol de herdeiros da minha "fortuna" material.
Há cerca de um mês do evento monstruoso me aparece um esporão logo após as 24 horas do Rio de Janeiro. Fizemos de tudo, mas a solução teve que ser radical: uma infiltração de corticóide na sola do pé.
Parecia que já poderia apurar os treinos, quando, faltando apenas 13 dias para o início da corrida, uma de minhas éguas, que de tão mansa tem o nome de Maria Mole, acerta um coice na minha coxa direita.
Passado o desespero de achar que não poderia competir, volto aos treinos apenas nos últimos seis dias.
Estávamos prontos. Tensos, com alguns receios, mas certos de que nada nos faria parar pelo caminho e que a velocidade prevista para cada trecho poderia ser cumprida.
Na hora da largada, ao início do Hino Nacional, me vejo cercado por vários atletas-heróis e por minha família. Meus filhos Bruno, Kátia (vinda de Natal) e Bárbara, meu neto Marcelinho, minha dedicada esposa e os incansáveis amigos/irmãos Raul e Patrícia. Descambei a chorar que pensei que ia desmaiar sem fazer um só metro de prova.
Finalmente o momento da largada. Foram 217 km de subidas e descidas gigantescas, picos com vistas lindíssimas, rios, pedras rolando perigosamente abaixo de nossos pés, mato, deliciosos cheiros de mato e de bosta fresca. Calor, vento, frio, chuva, gritos de alegria, gemidos de dor, muito macarrão de todos os molhos, águas, suplementos até não mais aguentar, noites de lua nova, sem um raio a nos ajudar a enfrentar as trevas, o barulho ensurdecedor do silêncio, a alegria de encontrar um parceiro, os gritos de incentivo das outras equipes, a constante solidariedade.
Uma massagem aqui, um alongamento ali, mais uma subida dos infernos, um mineirinho a dizer que a chegada está uns três quilômetros à frente, o seguinte já aumenta para sete e, horas depois, um outro confirma os sete anteriores. Não vamos chegar nunca. Mais uma subida e nada de ver a cidade. Roubaram a cidade, não pode ser tão longe.... De repente, quando todas as nossas forças já se esvaíram, no alto da quadragésima última montanha, surge algo que parece o Paraíso. É Paraisópolis, a agradável cidade que nos acolhe com seu cheiro de pão de queijo e de broa de milho.
Cruzamos a linha de chegada e o chão sai de nossos pés. Flutuamos a procurar nossos amigos, filhos, a mulher franzina que nos arrastara até ali, nossos adversários (?????), não!!!, nunca!!!!, nossos irmãos de glória.
Vemos os incansáveis voluntários e finalmente o casal que nos proporcionara esta ventura, os simpaticíssimos Mário Lacerda e sua Eliane. Estes, meus amigos, são os verdadeiros heróis. Incansáveis, competentes, incansáveis e competentes, incansáveis e várias vezes competentes.
Dor? Nenhuma. Sentimento apenas de gratidão a tudo e a todos que, numa conjugação de fatores, que nunca mais irão se repetir, fizeram com que esta equipe também merecesse a honra de levar para a pequena Quatro Barras a medalha de Prata da prova mais difícil do mundo; a camisa de "Finisher" que irá para uma moldura sem jamais ser usada e um diploma que espero manter em meu escritório, encabeçando meu troféus de hipismo e automobilismo, esportes que pratiquei antes de ficar velho.
Assim, amigos, relato, sumarissimamente, o que foram estes dias maravilhosos.
As fotos que estou editando irão lhes dar uma visão de um atleta nas primeiras 48 horas e de um molambo determinado a cruzar a chegada, nas 12 últimas. Sofremos bastante, mas fiz questão de reunir filhos e netos, em meus 60 anos para lhes dizer, correndo pelas montanhas, que só tem valor o que se conquista com sangue, suor e lágrimas (os dois derradeiros derramados em profusão no Caminho da Fé) e que nós somos aquilo que queremos ser.
Lamento a ausência de meu filho Marcelão e da minha linda e meiga neta Mariana, que não puderam vir, mas já combinamos que na minha comemoração dos 120 anos, nas montanhas da Mantiqueira, eles não faltarão.
Não posso deixar de me referir a algumas pessoas em especial e vou chamá-los apenas amigos: Fernando da Naffar - um gentleman, Mônica Otero - a musa da BR 135, Lacerda - o incansável fisioterapeuta e guru da minha idolatrada Jaqueline Terto e um menina fisioterapeuta que acompanhava o grande atleta Gentil e que me fez chegar correndo em Paraisópolis. Esta pessoa iluminada me ajudou tanto e de forma tão espontânea, que sequer nos deu tempo de saber seu nome (sem dúvida saberei e lhe renderei muitas homenagens).
Por enquanto é só.
Agradeço a todos pela corrente positiva e volto a afirmar que todo o mérito desta conquista se deve unicamente à minha equipe: Bruno, Raul, Rosi e Patrícia e ao “doping” de saber que iria encontrar minhas filhas e meu neto nos últimos quilômetros da estafante jornada.
Um ultrabraço a todos.
Seabra.